Semana de 17 a 23 de fevereiro de 2025
Fungo Yanomami
Como contei aqui, comecei a tecer em um tear de pregos. Nessa técnica, precisamos escolher um padrão para a alternância dos fios da trama e do urdume: os fios do urdume esticados na vertical, os fios da trama passando na horizontal por cima e por baixo destes, alternadamente — de dois em dois? um por cima dois por baixo? de dois em dois?...
Essa padronagem também pode incluir variações de cores e criar grafismos. Penso naquelas geometrias que, ao mesmo tempo que se labirintam, se seguem e se repetem. Então, dentre as formas que me vêm em mente, estão os grafismos indígenas.
Nos dias que se seguiram à minha primeira aula de tear de pregos, peguei, na biblioteca de casa, o livro que tínhamos comprado em Manaus quando fomos para lá em janeiro de 2020. Apesar de ter me interessado e me identificado imediatamente com o livro, ainda não o tinha lido: “Përɨsɨ — O fungo que as mulheres yanomami usam na cestaria.”
Nesse livro, as mulheres contam o que é o fungo Përɨsɨ, espécie até recentemente desconhecida pela ciência. Elas começaram a usar o Përɨsɨ na década de 1970. Fazem diferentes desenhos na cestaria, trançando o fungo de cor escura (preto) brilhante com cipó cru ou com cipó pintado de vermelho com urucum. Para elas, existe a protetora da floresta, cujo cabelo é o cipó e o fungo são seus pelos pubianos. Dentre os desenhos que fazem, dois contam a história de Wataperariwë e do Waɨkõyariwë. Contam que aprendem novas formas de cestos na convivência com outros povos indígenas do Alto Rio Negro, e com os não-indígenas, que é o cesto com tampa.
Esse livro trilíngue é uma iniciativa da Associação de Mulheres Yanomami Kumirãyõma para ensinar o que é o fungo; registrar a técnica; registrar a língua; preservar todos esses saberes.
As mulheres Yanomami estão preocupadas em registrar seus conhecimentos para que sejam passados e valorizados pelas jovens Yanomami. Reconhecer, selecionar e manejar as máterias-primas na mata; conhecer as histórias das antepassadas. Me identifico com a vontade de salvaguardar. Esse livro, curto, que em meia hora se lê, cumpre tantas funções: registra a técnica, registra a língua...
Super Cólica
Segunda-feira: era o primeiro dia do ciclo menstrual, tive tanta cólica que não conseguia ficar em pé, além da tontura, enxaqueca — difícil ver luz e ouvir sons. De manhã, fiquei um pouco mais no silêncio e no escuro, fui melhorando e à tarde já estava bem.
Desde outubro de 2019 eu estou usando o aplicativo Clue para acompanhar o meu ciclo. Além de ver pele, cabelo, apetite, humor, dores etc.
Ano passado, me sugeriram também o diário da Mandala Lunar. Enquanto o Clue mudou a linguagem e não fala sobre “mulheres” e, sim, sobre “pessoas que menstruam”, adoro que a Mandala Lunar optou por manter “mulheres”. Enquanto fico feliz com a inclusão das diversas vivências, para que possamos ser humanos / pessoas / seres / vidas mais plenas, também sinto que, como mulheres, precisamos do nosso espaço de identificação e acolhimento.
Outras mulheres — terapeuta, endocrinologista, ginecologista —, formadas em suas especialidades e com respaldo científico, além dessas ferramentas, foram me ajudando a vivenciar melhor ciclos que me causavam muita oscilação de humor. Não me encontrava em pílulas que me deixariam mais linear. A dra Natália, ginecologista, me dando a opção da linearidade, me explicou também lindamente, o ciclo menstrual como o ciclo de uma flor — a semente na terra, o descanso da terra para nutrir a semente, a água que retém a terra...
Enquanto sigo na minha jornada pessoal, depois de anos escutando que remédios para depressão ou simplesmente a supressão do ciclo seriam a solução, tenho notado o quanto esse assunto tem começado a fazer parte da cultura pop. Com o iPhone, o Oura Ring, ou outros dispositivos que monitoram aspectos da saúde, agora é possível acompanhar mudanças sutis durante o ciclo, como o aumento da temperatura corporal a partir da ovulação. Já se fala de sincronizar a vida com o ciclo. Emocionada com o público de mais de 80 mil pessoas no Brasil, a cantora Olivia Rodrigo falou que estava sensível, a ponto de chorar durante o show: menstruada. A cantora Sabrina Carpenter gosta de falar que está ovulando para incrementar, acredito eu, a construção de sua imagem de pin-up: disse que seu último álbum foi feito nos quatro dias de ovulação. Só se ovula um dia por ciclo.
Sabores Árabes
Há alguns domingos, depois de almoçarmos com a minha prima Renata que ficou noiva no início do ano, caminhamos pelos Jardins até a sorveteria Bachir.
Quando fui pela primeira vez para o Líbano, na Páscoa de 2009, eu me lembro de me sentar em um café com a minha amiga Sarah e as amigas dela, e pedir uma limonada. Surpresa: “limonade” não quer dizer limonada em francês (que seria “citronnade”, “citron” sendo limão). Limonade é uma especie de soda. Um suco de limão com gás. Eu não gosto de tônica, de água com gás... e não gostei da limonade. Mas o que mais estranhei foi o sabor de… perfume? Ao tomar uns goles no canudinho, falei para a minha amiga “nossa, tem cheiro de perfume” e ela “é bom, né?!” Vai dizer pra um libanês que alguma coisa que você está tomando ou comendo no país deles é ruim……
A citronnade era adoçada com xarope de rosas. Na época, eu pensava, eu lá quero tomar perfume? Eu gostava era de queijo.
Até que, por volta do casamento da minha amiga Clarissa, anos depois, percebi meu paladar mudar. Comecei a comer pistache e gostar. Na época, achei até que todos os pistaches que tinha comido até ali eram falsos pistaches — assim como as cerejas que vão nos bolos de padaria e cantinas de escola são falsas cerejas.
O casamento da Clarissa foi em setembro de 2014 (acho) no Brasil e em dezembro do mesmo ano, no almoço de Natal, na casa da tia Rô, eu comi castanha de caju e gostei, gostei muito — “isso aqui tem gosto de queijo!”
Bom, estamos em 2025 e, de uns anos para cá, uma sorveteria ficou muito famosa em São Paulo. Uma sorveteria libanesa. Posso dizer que é minha sorveteria preferida. Qual meu sabor preferido? Rosas. Rosas com cobertura de chantilly e pistache.
Na verdade, é um empate: rosas, miski e ashta. Eu vim escrever sobre esse tema só para, de uma vez por todas, saber o que é realmente miski e ashta. Sei que tem iogurte, que tem flor de laranjeira — cheiro que já foi meu perfume por anos, o “Fleur d’Oranger” do Serge Lutens, e que também tomou conta de mim assim que pisamos em Marraquexe em 2017. Sim, Marraquexe, com suas árvores alinhadas na calçada e o leite com flor de laranjeira e a tâmara que ofereceram quando chegamos ao lendário La Mamounia.
ASHTA - flor de laranjeira;
MISKI - parece um sorvete de iogurte, com sabor do miski, uma resina vegetal de árvores gregas.
Links da Semana
Loja maravilhosa em Manaus onde comprei o livro
Artigo na revista GALILEU sobre a "descoberta" de novo fungo
A cantora Sabrina Carpenter falando que seu álbum foi feito em quatro dias de ovulação e páginas de entretenimento que repercutem
Bela explicação sobre o que é miski
