Estilo, Biquíni e Presença

Semana do dia 29 de setembro ao dia 05 de outubro de 2025

Estilo

Minha amiga que mais tem estilo é a Sarah. Tudo o que ela veste, eu quero. Tudo, absolutamente tudo o que ela veste eu tenho vontade de comprar e vestir igual. É claro que isso iria completamente contra justamente o que faz um estilo. Mas, assim, ela deixa tudo tão legal, faz umas combinações, transmite uma “vibe”, uma energia das coisas, que dá vontade. É raro isso pra mim, esse despertar dessa vontade, de ter, de comprar. Conversamos muito sobre autenticidade, permeando a vida, desde a escolha da escola dos filhos até aquela coleção de livros que todo mundo tem em casa igual, sabe? Passamos em frente à livraria Argumento e vimos na vitrine o livro do Bruno Astuto, “Rio de Janeiro”, com a capa semelhante às de outras cidades publicadas pela mesma editora, Assouline. “Eu não gosto muito dessa coleção…”, ela começou; “por que todo mundo tem igual em casa, de decoração”, terminei. “Izou, impressionante como eu e você somos parecidas”. Desde o meu aniversário, no ano passado, quando reparei em amigas usando o mesmo tênis — o “Samba” da Adidas —, em mulheres usando o mesmo colar — o “Hardware Link” da Tiffany — estou me questionando sobre o gosto, sobre pertencimento. Até que cheguei em Pierre Bourdieu que, coincidentemente (coincidentemente mesmo?), vem ganhando terreno como assunto desde que antropologia é assunto graças ao livro do Michel Alcoforado. “Livro de mesa como decoração?”, eu e Sarah comentamos, “o pior é livro que é só capa e, quando você vai ver, é caixa”, “tem um desses no apartamento que eu estou!” Mas até entendo: livros bonitos no Brasil chegam a custar mil reais… 

Existe autenticidade dentro de um recorte de uma bolha da sociedade? O que é verdadeiramente seu nessa bolha

O que faz o bom gosto da Sarah? O que faz o estilo dela, que é tão único e tão atual? O look regata preta + shorts laranja com mini logo da Nike como estampa + tênis degradê com laranja da On — mais um que virou febre e ela deu seu toque pessoal. O look polo listrada de azul e branco + saia balonê estampada nos mesmos tons + mocassim preto da Gucci — que harmonia inesperada e eu não sabia que a Farm, rainha dos abacaxis e bananas, fazia listras, polo e balonê.

O look camiseta meio tons de vermelho, branco, rosê ou alaranjado devorê + pareô verde amarelo do biscoito globo + chinelo Havaiana — como se vestir de souvenir e ainda ficar sofisticada e descontraída? Tinha também um pareô preto e branco com todos os pontos turísticos do Rio e um i love rio em detalhes vermelhos. Todos esses looks com uma bolsinha da marca africana Bantu Wax, — aliás, nem tive tempo de comentar, de tanta coisa pra falar, elogiar. Para mim, é sobre se conhecer, se identificar, fazer seu. É sobre cada vivência que, tão boa quando compartilhada, traz histórias e sabores únicos, pessoais. Libanesa, que mora hoje na Guiné, na África, a Sarah virou minha melhor amiga, irmã, desde que nos conhecemos em Paris quando estudamos Estilismo juntas no Studio Berçot. 



Biquíni

Fiquei maluca atrás dos biquínis (minúsculos triângulos) do Rio de Janeiro. 

Encontramos um vendedor com combinações de cores que me fizeram querer um de cada, quando caminhávamos eu e Sarah pela orla sábado de manhã enquanto meu noivo e o marido dela faziam exercício com uma turma. Os dois ganharam um boné cor-de-rosa com o logo da corretora de investimentos que também estava estampada nos guarda-sóis das praias de Noronha. Agora enquanto escrevo percebo o caminho interessante desse espaço de marketing que eles criaram. O do boné até parece fácil, mas e o dos guarda-sóis? Como conseguiram a permissão, qual o tempo de divulgação? E o que é especialmente brilhante sobre os guarda-sóis é que as fotos dos turistas ainda vão perdurar, passear por aí. É um marketing que não dá pra mensurar, em uma era de KPIs (key performance indicators), sigla que eu ouço vira e mexe. Divaguei pra marketing. Também fiquei pensando sobre o desejo do biquíni: o meu, o da amiga da Sarah para quem ela comprou aquele trianglinho verde amarelo com bandeira… 

O vendedor ambulante — aliás, o primeiro, das cores dos biquínis pelas quais me apaixonei, nem ambulante era, segundo ele “tem ponto” ali entre Ipanema e Arpoador —, não precisa fazer nada, a propaganda, a ideia, o desejo já está feito. Todas as curvas do Rio vendem esse biquíni há décadas. São os Dois Irmãos, a pedra da Gávea, todo o relevo das ondulações das montanhas que se vê de cima ao chegar de avião, as fachadas dos prédios que, reparei pela primeira vez em Copacabana, não têm quinas, os desenhos de Niemeyer, os traçados de Burle Marx e, enfim, os bumbuns. “Pega lá um M de marquinha pra ela”, gritou o vendedor do ponto para o colega, que atravessou a rua correndo, foi não sei onde que nem deu tempo de ver, e voltou tão rápido quanto, com o meu “de marquinha” — “é nome do modelo”, me explicou. Já quero voltar pro Rio de Janeiro para mais. Biquínis e mais. 


Presença

Mesmo que o Rio de Janeiro esteja entranhado na cultura, estar lá é completamente diferente do que a ideia de estar lá. Mas a ideia ajuda. Com as leituras que tenho feito com a Beatriz, quem me ajuda a editar estes textos, sobre presença, sobre sentido… talvez tenha me atentado à lacuna entre o que tenho na cabeça sobre o Rio, ou qualquer outra coisa, e sobre o que vi e vivi no Rio. O sotaque, a arquitetura. A arquitetura de décadas precedentes, os prédios conjugados em época de recuo, tudo trazia uma certa permanência de um tempo áureo. O que tem me aproximado da realidade — da presença com sentido — é o silêncio. Engraçado que Sarah e o marido comentaram justamente sobre o silêncio de alguns lugares do Rio — a cidade da bossa nova e da escola de samba: eu bem reparei quando entramos, depois de perdemos nossa reserva em outro restaurante pelo atraso do voo, no ambiente sem música do tradicional Galetos onde sentamos enfim para jantar na Dias Ferreira sexta à noite. O ambiente da sorveteria lotada no sábado à noite também era sem música. Mas todos conversando, falando sem parar. Adoramos. Cada ida ao Rio é sempre totalmente diferente da outra, mas sempre de chinelo.

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Sobre ISABELA MONTEIRO

Isabela Monteiro estudou História da Arte e Arqueologia na Sorbonne e se formou em moda no Studio Berçot em Paris, onde morou por 10 anos antes de retornar ao Brasil para lançar sua marca homônima em São Paulo.

A marca traz para a contemporaneidade, por meio de fibras nobres e cores vibrantes, as técnicas artesanais que Isabela aprendeu com as avós e com a admiração pelas mulheres da família.

Suas coleções são elaboradas com tecidos festivos e peças exclusivas desenvolvidas e feitas à mão por ela e sua equipe de artesãs brasileiras.