De 10 a 16 de fevereiro de 2025
Tear de Pregos
Pendurado no alto da parede, um quadro, feito de quatro tábuas de madeira com pregos na volta toda. Desde que entrei pela primeira vez no armarinho da rua Tabapuã em São Paulo e vi, à venda, esse tear de pregos, fiquei com vontade de fazer aula ali e tecer.
Sou apaixonada por técnicas, desde sempre, desde antes de entender que eu sou apaixonada por técnicas. Amo pensar / saber que um tear traz consigo a história, a ancestralidade milenar daqueles que transformam ideias em algo material, tecem o que se veste. Teares que vêm desde a Mesopotâmia, alguém sentado ali diante de um quadro que começa com alguns fios e, de lá pra cá, de um lado pro outro, vai passando fios de lã, acrescentando cores… tecendo para vestir, acalentar, acomodar, aconchegar, envolver, embelezar… desde o outro lado do mundo, até nós, aqui, hoje.
Eu tinha vontade de incluir isso no meu trabalho, na minha marca. Estava esperando o momento para isso acontecer: queria, antes, explorar técnicas as que são mais próximas de mim, da minha própria ancestralidade, digamos, aquelas com as quais minhas avós teciam, criavam. O tricô, o crochê.
Enquanto no tricô e no crochê criamos tramas entrelaçando um fio nele mesmo, no tear esticamos fios na vertical, estes que formarão o que se chama urdidura, para então passar os fios da trama por entre eles, na horizontal, formando assim o tecido.
Além da imagem clara, vívida na minha cabeça, de alguém querido (que imaginei) tecendo com carinho, sabedoria e minúcia, eu já tinha realmente experimentado tecer quando estudava no Studio Berçot em Paris e fizemos uma oficina de tecelagem. À época, fiz um projeto com minha amiga Sarah, libanesa, que eu considero brilhante nisso: com suas inspirações que ela chama de “étnicas”, com seu amor pela África desde sempre — e onde ela hoje mora, na Guiné. Fizemos uma tecelagem em papel que, para mim, foi marcante; ela foi em seguida estagiar em uma tecelagem onde fazem tweeds coloridos para a Chanel — a Malhia Kent, no maravilhoso “Viaduc das Arts” em Paris.
Então, em uma tarde de terça-feira, fiz aula com uma professora da Belas Artes. No começo, um pouco de resistência:
”Mas você trouxe fitas, trabalhamos com fios! Cadê a sua referência?” ”Está na minha cabeça”
“Mas esse tear é quadrado, só faz almofada!” ”A gente recorta, inventa”
“Aí eu não posso te garantir o resultado!” “Mas eu não quero garantias, vamos experimentar”
E quando enfim comecei a tecer:
“Sabe que o que você está fazendo se chama design?”
”Que corajosa, audaciosa, você!”
”Artista, você!”
E eu, como imaginei, viciei.
"Ainda Estou Aqui"
Estávamos havia semanas para assistir ao filme brasileiro que concorreu este ano ao Oscar — de “Melhor Atriz”, de “Melhor Filme Estrangeiro” e de “Melhor Filme” — “Ainda Estou Aqui”.
Fomos então em uma sexta-feira. O filme emociona desde o início. O que mais gostei foi a sensação que tive do tempo: tempo de dançar na sala, amigos e família misturados, álbuns em vinil tocando, dominando a cena e a sala de cinema. Fotografias, filme, tudo em película — inclusive o próprio filme, segundo o que li, foi feito de forma analógica, cronológica. Uma das atrizes ainda contou que, em entrevista, para viver aquele personagem naquela casa, aquele tempo que passavam juntos, ela e Fernanda Torres ficaram horas fazendo crochê juntas, alguns dias conversando, outros dias apenas se vivenciando.
E, também:
Cartas
Contém “spoilers”:
Contei aqui que há algumas semanas assistimos também enfim ao filme que também foi indicado ao Oscar em 1998, “Central do Brasil”, também dirigido por Walter Salles.
Nele, uma das cenas que mais gostei e mais me tocou foi quando a personagem de Fernanda Montenegro lê uma carta em que o pai da criança que ela acompanha durante o filme fala que sente saudade dos filhos. A protagonista, ao perceber a tristeza no olhar da criança quando a escrita não menciona seu nome, acrescenta o nome dele na leitura em voz alta e a criança se sente feliz, satisfeita, amada.
Voltando ao “Ainda Estou Aqui”, adorei o seguinte paralelo feito por Walter Salles: a personagem de Fernanda Torres (filha de Fernanda Montenegro na vida real), lê para toda a família uma carta que a filha envia de Londres, contando tudo o que vive de bom lá. Isso, para descobrirmos cenas depois que, ao ler a carta, omitiu para a família a parte em que a filha conta que a mídia local está noticiando a Ditadura no Brasil.
Duas Fernandas, duas indicadas, duas cartas, duas leituras, duas sensibilidades… amei esse recurso. Como se o leitor da carta também tivesse, pela leitura, um privilégio, um acesso a um segredo, à escolhas…